Sou uma pessoa de poucas paixões. Não sou fã de ninguém, não tenho coleção de nada, não me apego a coisas materiais a ponto de não consegui me desfazer delas. Talvez minha única e verdadeira grande paixão seja morar em Jacarepaguá. Não tem explicação o que eu sinto pelo bairro. O sistema de transporte é ruim, é longe de tudo que faço, está cada vez mais populoso e cada vez mais quente. Ainda assim, amo estar aqui!
Ontem refleti bastante sobre o porquê de gostar tanto de Jacarepaguá e acho que encontrei algumas respostas. O fato de morar a uma hora de qualquer outro lugar da cidade (exceto a Barra e Madureira) me fez conhecer uma cidade que poucos conhecem.
Outra característica minha é estar na contra-mão de tudo. Deixe-me explicar. Quando eu era criança, estudava em uma escola próxima a minha casa. Dava pra ir andando e tudo! Coisa rara em minha vida hoje, fazer coisas andando. O problema é que todos os meus amigos moravam em uma direção e eu na outra. Resultado: enquanto todos iam pra casa juntos, eu ia caminhando sozinha, pensando bobagens e cantando legião urbana. O que quero dizer é que raramente consigo companhia ou carona para voltar para casa, pois estou sempre na outra direção.
É o casamento perfeito: morar longe e do lado oposto.
Dito isso, quero relatar aqui a experiência que tenho com os caminhos e o transporte público carioca. O ato de circular pela cidade inteira dando voltas teve inicio na graduação. Antes cabe um parêntese – quando estava no ensino médio, trabalhava no MC Donald’s e conhecia uma galera que morava lá pelas bandas de Santa Cruz. Na verdade, acho que essa minha prática de ir sempre a locais muito afastados vem dessa época. Como trabalhávamos no turno da noite, fazíamos umas festas de manhã em um sítio de um menino que morava por lá. Marcávamos sempre às 8:00 da manhã na rodoviária de Campo Grande e íamos felizes para Santa Cruz.
Bom, mas quero iniciar a história falando da graduação porque foi a partir dela que conheci a zona sul. Até então, eu vivia exclusivamente nos muros da zona oeste. Eis a trajetória da menina. Morava em Jacarepaguá, tenho que ser mais especifica porque Jacarepaguá é grande, morava no Mato Alto – certamente ninguém nunca ouviu falar desse local – fica entre a Praça Seca e o Largo do Tanque. E estudava na Gávea.
Quando entrei no mestrado a coisa só piorou. Estudava na Urca e trabalhava na Maré. A volta que dava era muito grande. Imaginem, saindo do Mato Alto, indo pra Urca, de lá para a Maré, voltando via Madureira para o Mato Alto. Não gosto nem de lembrar!
Enfim, morando no Mato Alto e estudando na zona sul, meu grande aliado era o 755 – Cascadura/Gávea. Ônibus guerreiro igual a mim. Não perdia uma festa seja ela na faculdade, na casa de alguém, no Pires, no Baixo Gávea ou no Cangulo. Obvio que os amigos que fiz na graduação ou moravam na Baixada ou na Zona Sul. E um pouco mais tarde, quando comecei a trabalhar na própria faculdade, minhas duas melhores amigas moravam, uma em Niterói e a outra em São Gonçalo. Sem contar todos os outros amigos que fui fazendo ao longo da vida e que se espalham por toda a cidade.
O que quero registrar é que a distância não é um problema. Para onde eu for sei que posso contar com o 755 para me deixar em casa. Ele não deixa de circular e o mais surpreendente é que ele está sempre cheio, cheio mesmo. É uma experiência etnográfica maravilhosa para qualquer antropólogo que se preze. É possível identificar nesse coletivo diversas categorias de pessoas e fazer uma série de classificações. Essas coisas que antropólogo adora!
É claro que muita coisa aconteceu em minha vida. Conheci outros meios de transportes e outros lugares. Mas hoje retorno ao 755 e feliz confesso meu amor por Jacarepaguá. E é só por morar aqui que conheço tantos lugares, atalhos e formas de chegar mais rápido e segura em casa, na casa que nunca deixou de ser minha, no Mato Alto.